sábado, 30 de janeiro de 2016

Políticas Públicas para o Ensino da Arte no Brasil

IMPORTANTÍSSIMO!

Na formação de professores de arte é muito importante a compreensão do cenário das POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO DA ARTE NO BRASIL.

Para entender a "novela" da BNCC, é urgente e necessária a leitura deste texto ESSENCIAL de Ana Mae Barbosa, para a AEOL.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO DA ARTE NO BRASIL:
O perde e ganha das lutas 

Por: Ana Mae Barbosa (USP e Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo.
RESUMO:  Este texto é um histórico das lutas que os arte/educadores brasileiros e a FAEB (Federação de Arte Educadores do Brasil) têm enfrentado para manter as Artes como disciplinas obrigatórias no currículo. Este histórico se faz necessário frente a atual luta que começamos a desencadear contra a desqualificação das Artes na BNCC - Base Nacional Curricular Comum presentemente em discussão no país 
Palavras-chave: Politica, Ensino da Arte, Arte/Educadores 
ABSTRACT: This paper is a history of struggles that Brazilian art/educators and FAEB have faced to keep the arts as compulsory discipline in the curriculum. This history is needed to help us to be persistent in this new struggle that we began to unleash against the disqualification of Arts in the BNCC currently under discussion in the country. 
Keywords: Politics, Art Teaching, Art/Educators
No Brasil as Artes só tiveram a mesma importância que as outras disciplinas no currículo em três reformas:

1 - Reforma Rui Barbosa, que deu especial atenção e maior número de páginas ao ensino do Desenho; (1882-1883);

2 - Escola Nova, especialmente a Reforma Fernando de Azevedo, no Distrito Federal, e Reforma de Minas Gerais(1927 -1930);

3 - Reforma Curricular de Paulo Freire, nas Escolas da Prefeitura de São Paulo.

De resto, Arte tem sido desprezada no currículo, mas raramente de maneira TÃO agressiva e explicita como está sendo feito pela nova Base Nacional de Currículo Comum que vai substituir os PCN. Na comissão que determinou o texto da BNCC, que estamos discutindo, deveria ter sido incluído um representante da diretoria da Associação de Arte Educadores do Brasil.

A estratégia de considerar as Artes SUB-componentes é SUB-repticiamente intencional com o objetivo de, sem ferir a Lei de Diretrizes e Bases, retirar Arte do currículo, ou melhor, não contratar professores de Artes, que ficarão atreladas às outras disciplinas. O professor de Português ilustrará suas aulas com obras de Arte etc. Por exemplo, ao discutir o tema "ponto de vista" em Literatura, usará a tela "As meninas", de Velásquez. Teremos aí uma excelente aula interdisciplinar, mas não é apenas Arte como tema transversal que nossos estudantes do Ensino Fundamental e Médio precisam. Temos que agir imediatamente, sem medo do MEC.

O problema que vejo é que acabou a ditadura, mas os professores, especialmente os universitários,  continuam com medo do MEC, que pode persegui-los, negando bolsas e outros benefícios. É preciso ter coragem e se arriscar. Fui perseguida pela CAPES e CNPq nos tempos da ditadura, tudo me era negado, e a meus orientandos, mas consegui, com a colaboração de colegas do Jornalismo da ECA-USP, e de Heloísa Ferraz, a entrada do Ensino da Arte na ANPAP, quando ela foi constituída pelo CNPq. A ANPAP iria ser só de História/Teoria da Arte e Poéticas Visuais. Ainda mais, demos chance para se criar as áreas de Curadoria e Restauração, pois, diante da entrada de Ensino da Arte, as pessoas contra essa entrada raciocinaram que, se nossa área, que consideravam subárea, entrou, outras áreas "periféricas" da História e das Poéticas deveriam entrar.

Valeu a pena ser perseguida e pude até ser redimida quando me tornei Presidente da ANPAP. Na minha gestão, e nas seguintes, o número de arte/educadores na ANPAP cresceu tanto que, posteriormente, a Diretoria do Rio Grande do Sul quis retirar Ensino de Arte da ANPAP. Foi outra luta que está mencionada no meu livro Tópicos Utópicos.

Nos inícios de 1980, Claudio de Moura e Castro, então Presidente da CAPES, organizou um Congresso em Ouro Preto para fazer os convidados apoiarem sua ideia de que, para as Artes, não era necessário Doutoramento. Nível de doutoramento seria concedido a quem fizesse uma exposição no MASP, um concerto na sala Cecília Meireles etc.

Uma aluna minha acabara de ter uma individual no MASP, porque o Bardi queria fazer uma exposição da coleção de Arte do pai dela. Os convidados do Congresso eram todos dependentes da CAPES. Eu, por exemplo, havia voltado de um Curso do British Council, pago pela CAPES, visitando as Pós-Graduações na Inglaterra. Além disso, havia, no encontro de Ouro Preto, figuras de brasileiros notáveis, como a venerável Bárbara Heliodora Carneiro de Mendonça, tia do Moura e Castro, considerada a maior especialista de teatro do país, e artistas como Regina Silveira.

Ninguém se opôs, eu usei minha fala só para combater a proposta, e denunciei o encontro como uma armadilha para nos obrigar a amarrar um pacote decidido pela CAPES. Hoje reconheço que era muito agressiva. Depois disso, fui obrigada a comer todo dia sozinha, ninguém chegava perto da mesa em que eu estava, só a professora Pompeia da UFMG, que estava prestes a se aposentar, e o assistente do Claudio de Moura e Castro, ousaram fazê-lo. Esse último, por estratégia política, ou para amansar a fera. Mas, um convidado americano, de Música, da Universidade do Texas, considerado brasilianista, ficou tão revoltado, porque eu disse que, eles, de fora vieram nos convencer de que o que era bom para os Estados Unidos, era bom para o Brasil, se recusou a dar sua palestra. Desde aí não tive bolsa da CAPES por quase 10 anos.

A luta pela manutenção da obrigatoriedade do ensino da Arte foi de todos da FAEB. Fizemos manifestações públicas em frente à Bienal, e usamos o “telegramaço”, enviando mensagens para todos os senadores. Coloquei minha cabeça a prêmio na minha própria universidade, pois ia falar com os poderosos da USP, envolvidos na constituição da Lei de 1996. Tornei-me antipática para alguns, e acusada de corporativista.

Outra luta em prol do reconhecimento das Artes foi iniciada por Laís Aderne, frente ao MEC, na época em que o SESU tinha comissões de avaliação em todos as áreas universitárias, menos em Artes e Educação Física. Laís conseguiu, por meio do Prof. Iveraldo Lucena, que fôssemos recebidas pelo Ministro da Educação, e ele nos delegou a tarefa de organizar a Comissão de Artes e Design que, depois de fazer um trabalho árduo de consulta a todos os Cursos de Artes e Design das Universidades brasileiras, e quatro encontros nacionais desses cursos (Brasília, Campo Grande e Salvador), apresentou a proposta de avaliação assinada por representantes das universidades presentes nos encontros. Não foi trabalho perdido, pois Lúcia Pimentel escreveu sua tese de doutorado aproveitando os documentos por nós deixados no MEC. Foram jogados fora pelos funcionários logo depois que ela os consultou.

Para defender as artes me meti até na Universidade dos outros, que considerava minha também, pois nela sofri uma das maiores injustiças de minha vida. Trata-se da Universidade de Brasília, da qual fui demitida por razões políticas, em 1965, grávida e tendo de voltar para Recife, onde a situação política era das mais duras no país. Infelizmente, hoje estou distante da UNB. A convite de Grace Freitas, diretora do IdA da UNB, e Susete Venturelli, fui à Brasília defender, no Conselho Universitário, a criação do Mestrado em Artes. Era esperada com certa dose de aversão, pois pensavam que eu iria defender a ideia de que, para os professores do mestrado, bastava ser artista, mas, consegui dialogar muito bem com os cientistas. Hoje 'pago o pato' por ter ajudado a UNB e sou até difamada por um "sedizente" todo poderoso, da mesma Pós-Graduação do IdA que ajudei a defender.

Não é para me gabar que estou dizendo tudo isto, mas, para lembrar que pagamos por nossas intervenções junto ao poder governamental, mas vale a pena, se conquistamos algo para nossa área, tão frágil e desempoderada. Pago, até hoje, por ter criticado acerbamente os Parâmetros Curriculares de Artes Visuais, contra os quais lutei quase sozinha, contando com a companhia apenas de Maura Penna, que liderava um grupo de João Pessoa (UFPB), que escreveu um livro com críticas muito pertinentes. Mas, aceitei participar da consultoria sobre os PCN de 5ª a 8ª série, para livrá-los do excessivo modernismo e, com a ajuda de Ingrid Koudela, introduzimos a CONTEXTUALIZAÇÃO, que é considerada, hoje, uma das características da Educação e das Artes Contemporâneas, opondo-se ao vanguardismo modernista, e à reflexão da filosofia escolástica, dois pecados dos PCN de 1º ao 4º anos. Há poucos dia uma aluna me contou que sua professora, no Rio de Janeiro, disse que eu fui contra os PCN porque meu nome não estava neles. O pior é que estava lá meu nome como consultora nos PCN de 5ª a 8ª série, isto é, 5º a 8º ano.

Os meus amigos me criticam porque não economizo meu nome. Em qualquer luta justa eu me meto de cabeça, e tenho pena dos que desistem, para proteger suas imagens e nomes frente aos poderes constituídos e a História. Hoje precisamos nos posicionar, encher a caixa de e-mail da Fundação Lemann, dos donos da AMBEV, AB INBEV, Burger King, Lojas Americanas, Americanas.com, Submarino, Shoptime etc., que vivem na Suíça, educam filhos e netos no primeiro mundo, que valora as Artes, e querem para nosso povo uma educação para as artes meramente ilustrativa das outras disciplinas, submetida as outras disciplinas.

É a Fundação Lemann que está desenhando a BNCC, isso é, os novos Parâmetros Curriculares. Mais uma vez nos reduzem à condição de colonizados. A ditadura entregou à Universidade de San Diego o poder de decidir nossa educação. A redemocratização entregou esse poder a um espanhol, Cesar Coll, que fracassara na tarefa de desenhar o currículo nacional de seu próprio país e enriqueceu escrevendo e vendendo livros paradidáticos medíocres, sobre todas as disciplinas, através do MEC, para os professores de todo o país. Agora, a Fundação Lemann quer nos submeter aos desígnios da Universidade de Stanford, melhor do que a de San Diego, que dominou nossa educação na ditadura, mas, uma universidade de um país hegemônico, que quer continuar hegemônico.

Por favor, não acreditem no falso discurso da interdisciplinaridade. Já fomos enganados pela ditadura que, em nome da interdisciplinaridade, pretendeu preparar, em dois anos, um professor para ensinar Música, Teatro, Artes Visuais, Dança e Desenho Geométrico, tudo ao mesmo tempo. Ninguém poderia ser Leonardo da Vinci no século XX.

Agora, em nome da interdisciplinaridade, querem impedir que as novas gerações de alunos das Escolas Públicas tenham acesso verticalizado, aprofundado, às artes. Como diz Gombrich, interdisciplinaridade supõe disciplinas a serem integradas e não sub-componentes a serem tomados em conta, se o professor quiser e souber integrar, no ensino de outras  disciplinas. Se o currículo é baseado em disciplinas, Artes Visuais, Teatro, Dança e Música têm que ser disciplinas também.

Petição para Manter no currículo como disciplinas as Artes Visuais, Teatro, Música e Dança!
Sinceramente, não sei se devemos culpar somente à Fundação Lemann pela agenda escondida, contra as artes, no currículo, pois, na época em que o Prof. Paulo Renato foi Secretário de Educação de São Paulo, depois de ter sido Ministro de Educação de Fernando Henrique, e tratado  as Universidades Federais “à míngua”, apareceu no Diário Oficial uma portaria determinando que no EJA quem ensinaria Artes seria o Professor de língua estrangeira.

Escrevi ao Secretário e não tive resposta. Pedi a um jornalista amigo meu, do PSDB, muito conceituado nos meios intelectuais, que fizesse alguma coisa para que eu pudesse convencer o secretário a voltar atrás. Ele entregou a carta ao Serra, então governador, que me respondeu prometendo entregá-la ao Secretário. Recebi resposta marcando uma reunião à qual não pude comparecer, mas, Christina Rizzi e Jaqueline Mac Dowell, então presidente da FAEB, foram e demoveram as assessoras de Artes de pôr em pratica a portaria. O que elas disseram é que havia chegado do MEC uma nova assessora, que teria sido autora da ideia, para economizar com professor.

Sejam lá quem forem os culpados, MEC ou Fundação Lemann, não podemos relegar as Artes à condição de subcomponentes, quando já conquistamos o lugar de disciplinas em legislações anteriores.

Lutemos contra a SUB ARTE no currículo.

Lutemos contra a educação banqueira do “Todos pela Educação”, não só contra a educação bancaria que Paulo Freire condenava. O programa Todos pela Educação organizado pelos ricos do Brasil há quase dez anos mina as Secretarias de Educação gerenciando-as e culminou em São Paulo com o problema do projeto de fechamento das escolas heroicamente combatido pelos próprios alunos.
NOTA DA AUTORA: Lembrando que os BNCC  estão baseados no Núcleo Comum americano. Recomendo a todos a leitura completa deste excelente texto sobre a trajetória do BNCC: MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 03, p.1530-1555 out./dez. 2014. ISSN: 1809-3876 1530 Programa de Pós-graduação Educação: Currículo – PUC/SP.  Disponível em <http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/viewFile/21666/15916>, acesso em 20/01/2016 
NOTA DO EDITOR AEOL: Ana Mae Barbosa organizou uma petição online para que a Arte não seja um sub-componente na BNCC, saindo da área de Linguagem para tornar-se componente próprio. Assine-o aqui e apoie o Ensino das Artes Visuais, do Teatro, da Música e da Dança nas escolas de todo o Brasil. É fácil e rápido!
(Texto reproduzido com autorização do editor da AEOL, Prof. Dr. José Minerini Neto.)

Um comentário:

  1. "Informação sem formação causa deformação... Informação com formação causa transformacao" Moises Celegatti

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